Hansel e Gretel - 1990 por Ítalo Morelli Júnior





Hansel e Gretel - 1990


Parte da série "Lucio Fulci apresenta", Hansel e Gretel é um dos filmes da indústria italiana de terror mais massacrados pela crítica, coincidindo com o fim de um era que teve os diretores Dario Aguento, Mario Brava e Lucio Fulci como os maiores e mais influentes realizadores. Eles até fizeram outros trabalhos posteriormente, mas a decadência foi inevitável. O título faz uma referência ao conto dos irmãos Grimm, mas a história é completamente diferente. Os irmãos Hansel e Gretel são sequestrados e assassinados por uma quadrilha que faz tráfico de órgãos humanos. Ao retornarem em forma de espíritos, começam a matar um a um dos culpados de maneira que pareça um acidente, o que intriga os policiais que investigam os acontecimentos.
A idéia não é de toda ruim para um filme de terror, ainda mais feito para a tv. Nenhuma produtora iria investir dinheiro alto para embelezar um longa metragem que nem sequer iria para as salas de cinema. Mesmo assim, deve ter havido um bom retorno financeiro, já que foi lançado em VHS e até em dvd - inclusive no Brasil. O diretor Giovanni Simonelli até então roteirista de dezenas de produções do gênero, ficou com a missão de dirigir o longa e devido a problemas com o álcool, entregou apenas 55 minutos de filmagem. A meia hora adicional foi dirigida pelo seu mestre Lucio Fulci, que não pode fazer grandes melhorias e nem imprimir sua marca - ele não isso nem nos próprios filmes nos últimos anos.

A aparição das crianças se resume a um take de ambos parados lado a lado e sem nenhuma expressão facial, um close no rosto de cada um e o acréscimo de uma luz vermelha nos olhos, sugerindo uma influência maligna sobre as vítimas. A encenação é a mais amadora possível, atestando a incompetência do roteirista com o cargo de direção. A falta de recursos técnicos ou financeiros não pode estar atrelado a falta de criatividade ou inspiração, mas é exatamente isso que vemos aqui. A fotografia é bem ruinzinha, não se faz bom uso nem da iluminação natural externa e nem do jogo de escuridão e sombras, a direção de arte é tosca, há erros de continuidade (o carro que muda de cor de uma cena pra outra), armas fazem barulho e não disparam nada, bonecos de palha ao invés de dublês numa cena de incêndio e péssima atuação do elenco estreante - exceto o ator Paul Muller, nenhum deles nunca mais atuou.

A protagonista Silvia (Elisabete Pimenta Boaretto) é a investigadora de polícia que se muda para a casa aonde os assasinatos ocorrem. Ao ter uma visão das crianças, acredita ter o dom da mediunidade por ser metade brasileira e consequentemente alguma ligação com "macumba". Ela pede pra que parem com as mortes, pois estava lá para punir os culpados. O nível dos diálogos é daí pra pior.
Hansel e Gretel não causa medo (o que é essencial num filme de terror), mas pelo menos deixa a platéia torcendo pelas crianças, mesmo que as mortes não surpreendam. O elenco inteiro morre no mesmo ambiente e os policiais continuam inabaláveis, como se nada grave estivesse acontecendo. No meio de tudo, uma subtrama de traição e roubo de herança que não conversa com a história do tráfico de orgãos. E como não poderia faltar, há uma cena de nu feminino, onde a personagem deixa claro que não gosta de homens. Melhor fala.
 Dá até pra imaginar uma série de melhorias se acaso um remake fosse realizado - uma podrução mais cuidada e não necessariamente cara, um roteiro mais coerente sem fugir da proposta inicial e uma encenação mais impactante das mortes. Pra que isso tudo funcionasse, não adiantaria aumentar apenas a dosagem do terror e investir na estética se os protagonistas infantis não tiverem talento. Um fato curioso aconteceu com algumas versões recentes de Hansel e Gretel: produções caprichadas, muita ação, boa maquiagem, efeitos especiais bem feitos e o resultado final não convenceu. Parece que o conto dos irmãos Grimm só funciona se for seguido a risca...
É fundamental num filme de terror que o elenco transmita vários tipos de emoções e em vários níveis. Não por acaso, muitos oscarizados começaram suas carreiras em filmes de terror - Leonardo DiCaprio, Charlize Theron, Brad Pitt, Nicole Kidman e Geena Davis - e outros que também se tornaram astros, como por exemplo Johnny Depp e Uma Thurman.
Essa versão de Hansel e Gretel merece o status de cult por servir de exemplo de como não se fazer um filme de terror. Ele deixa lições constrangedoras de que uma produção de baixo custo não precisa ser ruim. Uma idéia e uma câmera podem fazer milagres, inclusive existe uma tendência em se filmar um longa metragem utilizando a câmera do IPhone e com bons resultados. Quem sabe Hansel e Gretel finalmente tenha a sua versão de terror decente.


"Lucio Fulci apresenta", Hansel e Gretel

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